Lamine Yamal, o ‘novo Neymar’, preocupa a Espanha

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Há pouco tempo, o sonho de quase todo jogador, brasileiro ou não, era ser o “novo Neymar”. A imprensa europeia adorava usar o clichê sempre que surgia um talento promissor na base do Brasil. Mas hoje, ser o novo Neymar ganhou uma conotação negativa. Ser o novo Neymar significa encrenca; virou sinônimo de talento desperdiçado, de gestão irresponsável de carreira, de alienação.

Ninguém quer essa etiqueta. Mas não há jogador no mundo hoje que a carregue mais do que a estrela de 19 anos do Barcelona, Lamine Yamal. Há duas semanas, usei a comparação num programa de debates da Rádio Marca, aqui na Espanha, e meu colega David Bernabeu — jornalista catalão que cobre o dia a dia do clube há anos — ficou indignado e quase perdeu a estribeira.

Era como se eu estivesse jogando uma maldição, agourando o moleque. Mas é um sinal do nervosismo que existe ao redor do fenômeno adolescente espanhol. A namorada famosa, o pai que só se mete em confusão, a vida agitada fora de campo e as lesões são apenas algumas das similitudes que fazem a comparação surgir com cada vez mais frequência nos programas de rádio e televisão.

A galera da bolha vai torcer o nariz e tentar argumentar que um rapaz com uma fortuna estimada em mais de seis bilhões de reais jamais poderia ser considerado um exemplo de má gestão.

Mas Neymar não é banqueiro. O sucesso de um atleta se mede em conquistas, triunfos e proezas coletivas e individuais. E, como diria o Tio Ben ao aconselhar Peter Parker sobre o que fazer com as habilidades recém-descobertas: “Com grandes poderes vêm grandes responsabilidades”. Ter um talento extraordinário implica uma obrigação moral de não desperdiçá-lo: de usá-lo para o bem.

Neymar nasceu com, provavelmente, um dos maiores talentos da história do futebol. Não é exagero afirmar que, se tivesse levado a carreira um tiquinho mais a sério, teria vencido pelo menos umas três Bolas de Ouro. É uma questão de comprometimento: um atleta não tem jornada das 8h às 16h. Precisa medir cada passo e cada decisão cotidiana em função do bem do próprio corpo, porque uma noite mal dormida pode afetar diretamente o desempenho ou a recuperação de uma lesão.

Imagino o quão difícil deve ser aconselhar um adolescente a ter consciência disso tudo. Principalmente esses garotos que começam a jogar tão cedo, perdem grande parte da infância treinando e, de repente, assinam o primeiro contrato e viram celebridades milionárias. É natural se sentir invencível. Intocável. Todos carregamos lições aprendidas pelos erros da juventude.

O nosso Ronaldo sempre fala sobre isso — publicamente e, também, de forma privada com jogadores — tentando usar sua figura lendária como um mentor para que muitos jovens não repitam os erros que ele e colegas cometeram.

Mas o pessoal da bolha parece não entender, ou prefere ignorar tais lições. Insistem no discurso de “nós contra o mundo”, pintando o jogador como um jovem incompreendido, numa homilia de seita alienada e alienante. E até dirigentes fortalecem essa postura, como fez Alexandre Mattos esta semana com um post delirante nas redes sociais defendendo o indefensável.

Depois de um ano extraordinário, no qual liderou a Espanha ao título da Eurocopa e o Barcelona ao Campeonato Espanhol e à Copa do Rei, e perdeu por pouco a Bola de Ouro para Ousmane Dembélé, Lamine Yamal tem sido mais notícia fora do que dentro de campo. Festas, viagens, declarações polêmicas e uma pubalgia dolorosa que impacta diretamente no desempenho detonaram uma disputa feroz entre clube e seleção, que trocam farpas públicas sobre a gestão da carreira do jogador.

Lamine não estará nos jogos decisivos da Espanha contra Geórgia e Turquia na última rodada das Eliminatórias, ausência que gerou um enorme mal-estar. A poucos meses da Copa, o rumo de sua carreira virou um dilema nacional, deixando o país inteiro em suspense.

 

Por Fernando Kallás, O Globo

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